Nem Lula e nem Bolsonaro: o desafio dos partidos políticos diante do cansaço do eleitorado
Pesquisa Quaest não surpreendeu quem já acompanhava a polarização com olhar mais distanciado
Ingrid Dantas. mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, professora e advogada
07/06/2025 às 9:59 - há XX semanas
Ingrid Dantas. Foto: Arquivo pessoal
Pesquisa Quaest divulgada na quinta-feira (5) não surpreendeu quem já observava a polarização para além do imediatismo das paixões e dos ressentimentos envolvidos. Segundo o levantamento, 45% dos mais de 2.000 entrevistados temem o retorno de Bolsonaro à Presidência da República, assim como 40% apresentam o mesmo sentimento quanto à continuidade de Lula em um quarto mandato.
O eleitorado parece caminhar para um cansaço dos antagonismos existentes, em que Lula e Bolsonaro representam polos rivais que dividem não apenas o espectro ideológico, mas as relações sociais cotidianas. Algumas razões podem ser levantadas quanto à rejeição de ambos enquanto alternativas para o país, mas elas nos afastariam do que parece ser o ponto negligenciado da discussão.
Transcendendo as personalidades envolvidas, o que desponta como um sinal de alerta para os partidos – que já estão em tratativas para as eleições gerais de 2026 (sim, as eleições estão sendo desenhadas desde agora) – é que as narrativas de combate à corrupção e de defesa da democracia precisarão caminhar juntas. É a famosa terceira via, que até hoje não conseguiu se firmar entre as legendas partidárias.
Falta criatividade, sobretudo na direita, em que são corriqueiras as falas que tentam mimetizar o comportamento de Bolsonaro. Falta também inquietação da esquerda, que parece acomodada com a inelegibilidade do ex-presidente e contando a reeleição de Lula como certa.
Mas, acima de tudo, falta um programa de compliance interno aos partidos, que contribua tanto para o cumprimento da legislação eleitoral e partidária quanto para a criação e o fortalecimento de uma cultura democrática, transparente e íntegra. Em suma: que combata desde cedo a corrupção (inclusive, interna corporis) e transcenda as radicalizações ideológicas.
É uma tendência no direito eleitoral, já contemplada em projeto de lei que tramita no Congresso, voltado à obrigatoriedade de programas de integridade nos estatutos partidários. O plano, na forma prevista, visa detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e outros ilícitos praticados ou atribuídos ao partido, e seu descumprimento poderá impactar diretamente a distribuição do fundo partidário.
Apesar do foco legislativo estar centrado no combate à corrupção, o embate entre lulismo e bolsonarismo deixou como legado a percepção – difusa, mas presente – de que as estruturas partidárias precisam também de compromisso democrático.
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de Ciência Política em Harvard, haviam destacado a função essencial dos partidos na filtragem de candidaturas extremistas. Some-se a isso o que deveria ser óbvio à luz da legislação constitucional e legal brasileiras: a necessidade de se garantir espaços plurais na definição de lideranças políticas.
Nesse contexto, o compliance eleitoral e partidário não é um luxo ou mera formalidade. As legendas que, desde já, fortalecerem sua presença institucional para além dos pilares típicos da polarização sairão na frente. No atual momento, quem chegar primeiro beberá água limpa. Uma possível terceira via.
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*Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da Organização Arnon de Mello.